No terceiro dia de festival, a gente já começa a ver alguns temas recorrentes e pouco a pouco vai montando o quebra-cabeça do momento por aqui.
Neste ano, a primeira visão clara é a de que estamos vivendo uma tempestade perfeita. Os primeiros cavaleiros do apocalipse são conhecidos: Covid, economias em crise, conflitos políticos extensos e dispendiosos, e retrocessos nas políticas de inclusão em âmbito global.
O resultado desta combinação vem se mostrando nos últimos anos: o ressurgimento forte da direita, uma maior aversão a risco por parte das empresas (a WFA diz que 74% dos CMOs estão mais cuidadosos com o que comunicam), uma visão de curtíssimo prazo nos negócios (a mesma WFA diz que metade dos CEOs se sentem pressionados por resultados).
Aqui em Cannes, a Edelman trouxe no seu “barômetro da confiança” mais uma consequência importante: a de que as pessoas estão pensando mais em si mesmas. Em tempo de porções escassas, estão lutando pela sua porção primeiro. Na visão de seu CEO, Richard Edelman, as empresas precisam incorporar uma visão mais individual ao seu propósito e às suas comunicações. Não é mais sobre o coletivo e sim sobre o que esta marca faz “por mim, pela minha família, pelo meu trabalho, pelo meu futuro”.
E aí vem o quinto cavaleiro do apocalipse, o elefante sentado na cidade de Cannes: a potencial revolução provocada por AI. Mustafa Suleyman, da Microsoft, trouxe ao Palais uma visão mais otimista: AI vai servir para elevar a barra do que fazemos e a criatividade vai ganhar mais poder, escala. Curadoria e confiança nas marcas serão cada vez mais importantes.
Dan Schulman, venture capitalist americano, trouxe uma visão bem mais sombria. Em três anos, os avanços em inteligência artificial vão extinguir de 15 a 25% das posições de emprego globais, em especial as de entrada. Uma afirmação que eu conectei com o discurso recente de Mark Zuckerberg, que pregava que a Meta resolveria todas as necessidades dos anunciantes com inteligência artificial.
Eu, aqui da minha cadeirinha no Palais, me lembrei de uma aula que tive com Peter Diamandis há alguns anos que me fez entender a diferença entre o propósito de uma indústria e o seu motor de monetização. Vejam a música, por exemplo. No passado, ela se monetizava primariamente através da venda de álbuns. Agora, ela se monetiza através de plays e downloads. O jeito de fazer dinheiro mudou – mas os compositores, cantores, artistas continuam fazendo música para entreter e emocionar suas audiências (assim como videos, shows, parcerias com marcas, etc).
Penso que a nossa indústria vai passar pela mesma reformatação. O espaço para que pessoas e empresas continuem a desenvolver marcas em todos o seu espectro vai continuar existindo, mas o jeito de fazer dinheiro com isso vai mudar completamente, em toda a cadeia de valor.
Como disse Coleen DeCourcy: este é o Cannes Lions que começa o acerto de contas. E eu digo que quem se mover na direção certa, com velocidade, tem melhores chances de se reinventar.