Em um dos painéis mais aguardados de Cannes Lions 2025, Mustafa Suleyman, CEO da Microsoft AI e cofundador da DeepMind, traçou um futuro onde “a fricção entre imaginação e execução vai completamente colapsar” – mas onde, paradoxalmente, a qualidade criativa atingirá níveis sem precedentes.
Por que importa: Enquanto a indústria criativa oscila entre medo e excitação sobre IA, Suleyman oferece uma visão matizada: sim, as barreiras de entrada desaparecerão, mas isso vai elevar drasticamente o padrão de qualidade exigido.
“Entre 2010-2020, nada funcionava. Agora é mágico”
Suleyman abriu com honestidade alarmante sobre a jornada da IA:
“A coisa mais estranha sobre trabalhar em IA é que entre 2010 e 2020, nada realmente funcionava. Construíamos coisas em ambientes de jogos porque eram simulações menores do mundo real.”
O momento de virada? Ver um modelo gerar um dígito escrito à mão em 2012. “Era só um 7 aparecendo numa tela preta, mas ali estava algo fundamentalmente poderoso.”
O número que explica o salto quântico
Para contextualizar o poder atual da IA, Suleyman ofereceu uma analogia impressionante:
“Os modelos mais recentes são treinados com 10²⁶ operações. É como se cada pessoa no planeta pegasse uma calculadora e fizesse um cálculo complexo a cada segundo, todos os dias, por um ano inteiro – durante 400 milhões de anos.”
Tudo isso em 3 meses de treinamento, consumindo energia equivalente a 10% do consumo anual de Seattle.
EQ superou expectativas, IQ era esperado
Colleen DeCourcy, ex-CCO do Snap e Wieden+Kennedy, destacou a surpresa: “O que me impressiona é a empatia. Não é só reconhecimento de padrões – é sentir onde preciso que vá para resolver MEU problema.”
Suleyman explicou:
- IQ (informação factual): Estavam confiantes que funcionaria
- EQ (inteligência emocional): “Todos eram céticos. Como programar algo subjetivo e fluido?”
- Resultado: Modelos maiores = mais fáceis de direcionar = mais precisão emocional
Elogio às alucinações: “É exatamente o que queremos”
Num momento revelador, Suleyman redefiniu o “problema” das alucinações:
“Você deu a definição exata de uma alucinação – o acidente feliz, a resposta errada que leva à ideia certa. A história do software foi sobre bancos de dados fixos. Mas é a ambiguidade e o fuzzy que são interessantes e criativos.”
DeCourcy concordou: “A definição de criatividade é conectar pontos que nunca foram conectados antes.”
As 3 ondas da IA (e a que vem aí)
1ª Onda: Reconhecimento (identificar gatos, transcrever fala)
2ª Onda: Geração (criar novos gatos, novo áudio)
3ª Onda (2025-2027): Agentes executores
“Não será apenas gerar ideias mais facilmente. Será executar o plano completo – construir projetos, executar estratégias do início ao fim.”
O paradoxo da abundância criativa
Suleyman apresentou duas verdades simultâneas:
- “A quantidade de lixo vai aumentar” – barreira de entrada mais baixa
- “A qualidade vai explodir” – competição força padrões mais altos
“Sempre que ouvir uma verdade, vire para a outra. Isso é sabedoria nesta era.”
O que permanecerá crucial:
- Julgamento e curadoria
- Marca (mais importante que nunca)
- Confiança (“Não somos atores racionais”)
- Estilo, tom e estética
O conselho para criativos: “Não há desculpa”
Para jovens criativos entrando no mercado, Suleyman foi direto:
“Pela primeira vez na história, computadores falam linguagem natural. Vi pessoas criarem apps completos conversando: ‘Gere um app com botões aqui e ali, publique, debugue, adicione nova tela.’ Tudo em minutos.”
“Assim como gerações anteriores aprenderam Photoshop ou InDesign, não há desculpa. Este é o momento de aprender, adaptar, possuir, criar e definir os padrões.”
A fricção ainda importa (e como preservá-la)
DeCourcy levantou preocupação crucial: “Fricção me ajuda a fazer trabalho melhor. Como adicionar fricção de volta quando tudo é instantâneo?”
Resposta de Suleyman: “Temos que colocar o humano no centro. Fricção e lentidão são propriedades inerentes de como gestamos ideias. Meu cérebro precisa de 8 horas de sono para treinar.”
O manifesto final: qualidade através do teto
“Organizações maiores estão começando a sentir a pressão – e isso é excitante. É o que queremos: qualidade mais alta em todos os lugares.”
A visão não é de substituição, mas de elevação radical dos padrões. Num mundo onde todos podem executar, apenas os verdadeiramente excepcionais se destacarão.
O o que levar: Segundo a Microsoft, a revolução da IA não eliminará a necessidade de criatividade – tornará a excelência criativa mais crucial e valiosa que nunca. A questão não é se você usará IA, mas quão bem você a usará para elevar seu trabalho acima do “mar de mediocridade” que está por vir.