A palestra de Nick Law no Debussy Theatre começou com uma confissão: “Alguns de vocês vão tirar uma soneca nesta quinta à tarde, mas vou tentar mantê-los acordados”. O que se seguiu foi uma masterclass sobre a relação entre tecnologia e cultura que desafiou praticamente tudo que o mercado tem repetido sobre IA.
O PROBLEMA: Law identificou dois mantras que viraram “sabedoria recebida antes de qualquer coisa realmente acontecer” – a promessa de “mais conteúdo” e a obsessão com “personalização em escala”. “Essas frases me dão calafrios”, admitiu.
Para contextualizar o momento atual, Law recorreu a dois exemplos históricos fascinantes:
1. Fotografia e os Impressionistas No final dos anos 1800, as fotografias de Eadweard Muybridge revelaram que pintores vinham retratando cavalos galopando de forma errada há séculos. “A tecnologia mudou como as pessoas viam o mundo”, explicou Law. Os impressionistas não apenas corrigiram as pernas dos cavalos – eles absorveram a gramática da fotografia, capturando “impressões” e momentos não posados.
2. William Morris vs. Revolução Industrial O poeta e designer vitoriano rejeitou as “máquinas sem alma” da era industrial, criando o movimento Arts & Crafts. Sua crítica? “Novidade sem beleza”. Law provocou: “Isso não soa familiar agora com IA?”
“Morris não tinha objeções a usar máquinas, desde que criassem beleza. Vamos reagir contra AI em muitos casos, mas definitivamente vamos usar a tecnologia.”
O espectro criativo que ninguém quer admitir
Law demoliu a separação artificial entre “criativos” e “tecnólogos”:
“Quando vocês dizem isso sentados na Madison Avenue, estão dizendo que não há pessoas criativas no Vale do Silício. E o pessoal do Vale pensa o mesmo sobre vocês. Ambos estão errados.”
Ele propôs um espectro de criatividade:
- Sistemática: “Como eu faço as coisas funcionarem?” (Sam Altman)
- Empática: “Como eu faço você sentir?” (Rick Rubin)
A revelação? Jony Ive está se juntando a Sam Altman em um novo projeto. “Se conseguirem se encontrar no meio, vão criar algo extraordinário.”
Cases que provam o ponto
1. Australian Lamb – “Curar” as seções de comentários: A campanha transformou comentários tóxicos reais em um roteiro, depois usou os comentários sobre o anúncio para criar mais anúncios. Resultado: o vídeo australiano mais visto por australianos no YouTube. “Reciclagem da internet para criar uma campanha inteira”, resumiu Law.
2. Gatorade ID Studio: Uma estação personalizada onde pessoas criavam designs únicos para suas garrafas – sem saber nada sobre prompt. “É sobre traduzir tecnologias com empatia para pessoas normais.”
3. Coors Light – Obstructed Brew: AI analisava fotos de assentos com visão obstruída em estádios de baseball e recompensava fãs com cerveja grátis baseada no nível de obstrução. “O sucesso foi todo sobre o trocadilho”, brincou Law.
A provocação final sobre processo criativo
“AI vai fazer todo o ‘como’. Não vamos mais aprender a fazer kerning – vamos aprender a reconhecer um bom kerning”, explicou Law. O que sobra para humanos?
- O PORQUÊ: Intenção e estratégia afiada
- O QUÊ: Decisões sobre o que funciona para humanos reais
“Sem uma estratégia clara, você vai ficar iterando infinitamente com ferramentas que geram coisas instantaneamente. Já fiz isso no Midjourney – continuei gerando mais e mais porque entrei sem intenção.”
O chamado à ação
Law encerrou com três conselhos:
- “Seja útil e interessante” – Equilibre histórias compartilhadas com serviço
- “Faça parceria com alienígenas e hereges” – Trabalhe com pessoas que você não entende completamente
- “Seja irracionalmente humano” – “Modelos de AI são ótimos em raciocínio, mas péssimos em ser irracionais”
“Divirtam-se sendo perversamente humanos e tentem sobreviver às próximas 72 horas”, concluiu, arrancando risadas da plateia que definitivamente não cochilou.